PANORAMA
Uma forma elástica sacode as asas no espaço
e me infiltra a preguiça, o amor ao sonho.
Num recanto da terra uma mulher loura
enforca-se e vem no jornal.
Uma menina de peito largo e ancas finas
sai do fundo do mar,
sai daquele navio que afundou e vira uma sereia.
A filha mais moça do vizinho
lá está estendida no caixão
na sala de visita com paisagem,
um cheiro enjoado de angélica e meus sentidos pêsames.
Tudo está no seu lugar
minha namorada está sozinha na janela
o sonho está dormindo na cabeça do homem
o homem está andando na cabeça de Deus
minha mãe está no céu em êxtase,
eu estou no meu corpo.
OS DOIS LADOS
Deste lado tem meu corpo
tem o sonho
tem a minha namorada na janela
tem as ruas gritando de luzes e movimentos
tem meu amor tão lento
tem o mundo batendo na minha memória
tem o caminho pro trabalho.
Do outro lado tem outras vidas vivendo da minha vida
tem pensamentos sérios me esperando na sala de visitas
tem minha noiva definitiva me esperando com flores na mão,
tem a morte, as colunas da ordem e da desordem.
COMEÇO
Uma vasta mão me sacudirá na manhã pura.
Talvez eu nasça naquele momento,
Eu que venho morrendo desde a criação do mundo,
Eu que trago fortíssimo comigo
O pecado de nossos primeiros pais.
O espaço e o tempo
Hão de se desfazer no vestido da Grande noiva branca.
Serei finalmente decifrado, o estrangeiro da vida
Descansará pela primeira vez no universo familiar.
IDEIA FORTÍSSIMA
Uma ideia fortíssima entre todas menos uma
Habita meu cérebro noite e dia,
A ideia de uma mulher, mais densa que uma forma.
Ideia que me acompanha
De uma a outra lua,
De uma a outra caminhada, de uma a outra angústia,
Que me arranca do tempo e sobrevoa a história,
Que me separa de mim mesmo,
Que me corta em dois como o gládio divino.
Uma ideia que anula as paisagens exteriores,
Que me provoca terror e febre,
Que se antepõe à pirâmide de órfãos e miseráveis,
Uma ideia que verruma todos os poros do meu corpo
E só não se torna o grande cáustico
Porque é um alívio diante da ideia muito mais forte e violenta de Deus.
Quatro Poemas
Murilo Mendes
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The poems translated here are selected from three books by Mendes written within the first 15 years of his career. “Panorama” and “Two Sides” (“Panorama” and “Os Dois Lados”) were published in Mendes’ first book, Poemas (Poems; Dias Cardoso, 1930); “Beginning” (“Começo”) in A Poesia em Pânico (The Poetry in Panic; Cooperativa Cultural Guanabara, 1937); and “Most Strong Idea” (“Ideia Fortíssima”) in As Metamorfoses (The Metamorphoses; Ocidente, 1944). Mendes’ work during this period is known for its dry wit and attentive imagism that evolves into more elevated mythological and metaphysical registers without losing a fundamental commitment to the resonant but often unmetrical rhythms of human speech. We hope that these translations have preserved this quality of Mendes’ verse by resisting the temptation to smooth out or familiarize their idiosyncrasies.
Murilo Mendes was born in 1901 in Juiz de Fora, Brazil and died in Lisbon in 1975. He is one of the most important figures of second-wave Brazilian modernism. Most often associated with the literary and visual surrealisms of France and Italy, but also in self-conscious dialogue with a wide swath of Western aesthetic traditions, Mendes’ erotically charged metaphysical verse is unique within Brazilian modernism and does not align with the dominant and more nationalist strand coming out of São Paulo, which is perhaps best exemplified by Mario de Andrade and Oswald de Andrade. While readers remain vexed—was he a fabulist quietist, a Bataillean mystic, a eurocentric Catholic, an anti-war communist?—his work continues to attract serious critical interest and has been deeply influential for later Brazilian experimental poets like Roberto Piva. His work has been widely translated into other languages, but there are no English editions, and he remains virtually unknown in the English-speaking world. His first book, Poemas, received the Graça Aranha Prize, and in 1972 he received the Etna-Taormina International Poetry Prize. The Museu de Arte Murilo Mendes (The Murilo Mendes Art Museum) was founded in 2005 at the Federal University of Juiz de Fora to honor his life and work, and to conserve his library, papers, and art collection.
Lucas Lazzaretti is a Brazilian professor of philosophy, novelist, poet, and translator. His novels O escritor morre à beira do rio (7Letras, 2021) and Saturno translada: um ensaio romanesco (7Letras, 2022) have been praised by critics for their experimental narrative. His translations from English, Spanish, French, and Danish have been published in Brazil. He recently translated John Williams' novel Stoner and is currently translating William Gaddis' novel The Recognitions.
Brett DeFries is a poet and English professor at St. Olaf College in Minnesota. He has published scholarship on John Donne and Thomas Traherne, and his poems have appeared in FENCE, Best American Experimental Writing, and elsewhere. He was a 2022–2023 recipient of a Fulbright Global Scholar research grant to cotranslate Murilo Mendes’ poetry into English.
